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“Sou uma pessoa absolutamente obsessiva pelo teatro, eu amo demais todo o universo teatral” - Ana Rosa Tezza

Ela começou atuando no teatro, mas quando percebeu estava escrevendo peças, se envolvendo com o figurino e dirigindo suas próprias histórias

Por Flavia Keretch

Ana Rosa Tezza é uma atriz, diretora e dramaturga. Pioneira do teatro Ave Lola, um espaço de criação e arte localizado na rua Marechal Deodoro 1.227, Centro de Curitiba. Lugar em que é feito música, cinema, dança, artes visuais e teatro. Fundado em 2011, o Ave Lola possui uma equipe de artistas multidisciplinar, apaixonados pela arte de criar. Ana cresceu no Acre e já atuou em Santiago, Chile, na Companhia de Teatro Sombrero Verde, e hoje leva arte pelo Brasil inteiro com o Ave Lola. Entrevistada pela turma de jornalismo da UFPR em seu palco - sua casa. Confira abaixo trechos da conversa concedida por Ana Rosa Tezza:

Por que você faz a sua arte? Por que você faz teatro?

Poxa… (risos) Porque eu tentei fazer muitas outras coisas e quando eu vi, estava aqui dentro de novo. Eu não, não… sobrevivia fora do teatro. Não no sentido econômico, ganhava até melhor quando eu fazia outras coisas. Era boa em outras coisas [...] criei uma oficina para trabalhar comunicação interpessoal com técnicas do teatro e nossa gente, fiquei rica (risos). Todas as empresas me pagavam o que o teatro nunca me pagou. [...] Terminava uma oficina em 10 dias, ganhava muito dinheiro, pagava o meu mês e já tinha mais cinco oficinas marcadas. Eu falava: “Gente, então pronto, é isso. Vou ficar rica, não vou sair mais desse lugar.” Mas logo o dinheiro não bastava. É por isso que estou aqui.

Você acredita que houve transformações pessoais por causa do seu trabalho?

Não existe “eu” e o “meu trabalho” separado. Somos a mesma coisa. Eu vivo o meu trabalho cem porcento. Todo o meu crescimento profissional, ele é necessariamente um crescimento pessoal e vice-versa. [...] Quando você vai estrear uma peça e pensa: “Deus do céu, por que eu inventei isso? Deve ser uma bosta. Ninguém vai querer ver isso. Não interessa para ninguém. É superficial.” [...] Hoje quando começo a pensar assim que é uma “bosta” eu falo: “Mas isso é você, meu amor…” (risos) “... E não adianta você querer ser outra pessoa.” Então é uma aceitação muito grande de que eu fiz todo o possível para ser melhor naquele processo. Uma melhor pensadora sobre a vida. Uma melhor artista. Melhor pessoa no cuidado com quem tá em volta. Mas o resultado é aquele e ele sou eu. [...] O tamanho da obra é o tamanho que eu consigo que ela tenha. [...] Sempre vai ser o meu melhor. E às vezes o meu melhor não será o suficiente. É um pouco assustador, mas sou eu na frente do espelho.

Aqui no Ave Lola, vocês são uma companhia predominante de mulheres, produzem peças com um fundo militante. Você acredita que exista arte sem militância? Algo que é produzido sem passar uma mensagem, é considerado arte?

Eu acho que não existe nada que não passe uma mensagem. Não é possível isso. Acredito que qualquer coisa passa uma mensagem. Se eu colocar uma cadeira aqui na frente e não fizer nada, eu estou dizendo algo. Os nossos espetáculos não são militantes. Mas sim, tem uma atenção para coisas importantes. Por exemplo, as mulheres protagonizam as minhas peças. É uma consequência quase da minha existência. Por que vou contar histórias de homens? Não sou um homem. Não que eu não possa, minha imaginação dá para isso. [...] Porém, as minhas protagonistas são uma consequência de mim e também de um desejo de falar de um universo que é tão pouco explorado. Porque toda história de mulher é ela querendo namorar um homem, apaixonada, uma história de amor que não deu certo, ou uma tragédia. Existem tantos outros interesses que as mulheres têm na vida, está tão pouco abordado isso que é interessante, até inovador. Não sei se é uma militância. Nas obras acredito que não. Acho que a militância é no nosso fazer. Entende a diferença? [...] Nas nossas peças não tem militância para meu público, não existe “você tem que pensar assim”. Aí estou militando, porque estou dizendo a resposta. Nas minhas obras eu não tento dizer, tento mostrar situações.

Dessa sua relação com o teatro, tem algo que você não gosta? Algo que já te fez pensar em desistir?

Tudo me fazia desistir. Toda hora você quer desistir. É difícil como linguagem artística, é o demônio. Eu tenho uma filha que é a produtora e ela diz: “Vocês fazem uma arte que tem tudo para dar errado: muita gente criativa num único lugar, pouco dinheiro, praticamente nenhum público espontâneo.” Logo você pensa: “O que eu tô fazendo? Esse troço não tem sentido nenhum.” As pessoas me perguntam hoje: “Como que você vive?”. E eu falo: “Faço teatro”. “Tá, mas como que você vive?”. Eles não entendem que isso é uma profissão. Quando você começa a ficar de cabelos brancos, cansada, compreende que as pessoas não te veem como alguém fundamental na sociedade. Porque é um país que não tem condições de entender a profundidade do espaço da arte, da representação no seu meio. Pois não possui educação suficiente para entender isso. [...] A educação do Brasil é vilipendiada desde sempre. Ser um artista de teatro em um país assim, é muito duro, você tem que ser muito resistente. Tem que estar o tempo inteiro tendo certeza do que quase ninguém tem. De que esse é o espaço onde o ser humano exerce, de fato, a sua humanidade. O que tem de mais humano dentro dele, ou seja, imaginar o que não é real, criar universos ficcionais, praticar isso para que ele possa inventar coisas que serão depois úteis. [...] O universo ficcional é o universo que nos faz diferentes de qualquer outro animal. Quando eu penso isso, me sinto muito poderosa. Porém, tudo em volta de mim tenta fazer com que eu esqueça disso e me diz que a minha arte não serve para nada. [...] Não é simples você ter a coragem de ficar aqui, então não é que eu não gosto. Tem algo que não gosto no teatro? Não, não tem. Todos os lugares do teatro me apaixonam, mas não é um lugar fácil de querer ficar.